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Queria dizer-vos uma palavra, e a palavra é alegria. Onde quer que haja consagrados, aí está a alegria! PAPA FRANCISCO

     





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FRATELLI TUTTI-Parte 6

125. Isto supõe também outra maneira de compreender as relações e o intercâmbio entre países. Se toda a pessoa possui uma dignidade inalienável, se todo o ser humano é meu irmão ou minha irmã e se, na realidade, o mundo pertence a todos, não importa se alguém nasceu aqui ou vive fora dos confins do seu próprio país. Também a minha nação é corresponsável pelo seu desenvolvimento, embora possa cumprir tal responsabilidade de várias maneiras: acolhendo-o generosamente quando o requeira uma necessidade imperiosa, promovendo-o na sua própria terra, não desfrutando nem esvaziando de recursos naturais a países inteiros, e não favorecendo sistemas corruptos que impedem o desenvolvimento digno dos povos. Isto que é válido para as nações, aplica-se às diferentes regiões de cada país, entre as quais se verificam muitas vezes graves desigualdades. Entretanto a incapacidade de reconhecer a igual dignidade humana leva às vezes a que as regiões mais desenvolvidas dalguns países aspirem por libertar-se do «fardo» das regiões mais pobres para aumentar ainda mais o seu nível de consumo. 103 Cf. FRANCISCO, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 93: AAS 107 (2015), 884-885; IDE  Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 189-190: AAS 105 (2013), 1099-1100. 104 CONFERÊNCIA DOS BISPOS CATÓLICOS DOS ESTADOS UNIDOS, Open wide our Hearts: The enduring Call to Love. A Pastoral Letter against Racism (novembro de 2018)

126. Falamos duma nova rede nas relações internacionais, porque não é possível resolver os graves problemas do mundo, pensando apenas em termos de mútua ajuda entre indivíduos ou pequenos grupos. Lembremo-nos que «a desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações internacionais». 105 E a justiça exige reconhecer e respeitar não só os direitos individuais, mas também os direitos sociais e os direitos dos povos.106 Quanto afirmamos implica que se assegure «o direito fundamental dos povos à subsistência e ao progresso», 107 que às vezes é fortemente dificultado pela pressão resultante da dívida externa. Em muitos casos, o pagamento da dívida não só não favorece o desenvolvimento, mas limita-o e condicionao intensamente. Embora se mantenha o princípio de que toda a dívida legitimamente contraída deve ser paga, a maneira de cumprir este dever que muitos países pobres têm para com países ricos não deve levar a comprometer a sua subsistência e crescimento. 127. Trata-se, sem dúvida, doutra lógica. Se não se fizer esforço para entrar nesta lógica, as minhas palavras parecerão um devaneio. Mas, se se aceita o grande princípio dos direitos que brotam do simples facto de possuir a inalienável dignidade humana, é possível aceitar o desafio de sonhar e pensar numa humanidade diferente. É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança perante ameaças externas. Com efeito, a paz real e duradoura é possível só «a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a   corresponsabilidade na família humana inteira». 108
105 FRANCISCO, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 51: AAS 107 (2015), 867. 106 Cf. BENTO XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 6: AAS 101 (2009), 644. 107 SÃO JOÃO PAULO II, Carta enc. Centesimus annus (1 de maio de 1991), 35: AAS 83 (1991), 838. 108 FRANCISCO, Discurso sobre as armas nucleares (Nagasáqui - Japão 24 de novembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 03/XII/2019), 9
CAPÍTULO IV UM CORAÇÃO ABERTO AO MUNDO INTEIRO 128. Se esta afirmação – como seres humanos, somos irmãos e irmãs – não ficar pela abstração mas se tornar verdade encarnada e concreta, coloca-nos uma série de desafios que nos fazem mover, obrigam a assumir novas perspetivas e produzir novas reações. O LIMITE DAS FRONTEIRAS 129. Quando o próximo é uma pessoa migrante, sobrevêm desafios complexos.109 O ideal seria, sem dúvida, tornar desnecessárias as migrações e, para isso, o caminho é criar reais possibilidades de viver e crescer com dignidade nos países de origem, a fim de se poder encontrar lá as condições para o próprio desenvolvimento integral. Mas, enquanto não houver sérios progressos nesta linha, é nosso dever respeitar o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também realizar-se plenamente como pessoa. Os nossos esforços a favor das pessoas migrantes que chegam podem resumir-se em quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar. Com efeito, «não se trata de impor do alto programas assistenciais, mas de percorrer unidos um caminho através destas quatro ações, para construir cidades e países que, mesmo conservando as respetivas identidades   culturais e religiosas, estejam abertos às diferenças e saibam valorizá-las em nome da fraternidade humana». 110 130. Isto implica algumas respostas indispensáveis, sobretudo em benefício daqueles que fogem de graves crises humanitárias. Por exemplo, incrementar e simplificar a concessão de vistos, adotar programas de patrocínio privado e comunitário, abrir corredores humanitários para os refugiados mais vulneráveis, oferecer um alojamento adequado e decente, garantir a segurança pessoal e o acesso aos serviços essenciais, 109 Cf. BISPOS CATÓLICOS DO MÉXICO E DOS ESTADOS UNIDOS, Carta pastoral Strangers no longer: together on the journey of hope (janeiro de 2003). 110 FRANCISCO, Catequese na Audiência Geral (3 de abril de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semana   
portuguesa de 09/IV/2019), 3.
assegurar uma adequada assistência consular, o direito de manter sempre consigo os documentos pessoais de identidade, um acesso imparcial à justiça, a possibilidade de abrir contas bancárias e a garantia do necessário para a subsistência vital, dar-lhes liberdade de movimento e a possibilidade de trabalhar, proteger os menores e assegurar-lhes o acesso regular à educação, prever programas de custódia temporária ou acolhimento, garantir a liberdade religiosa, promover a sua inserção social, favorecer a reunificação familiar e preparar as comunidades locais para os processos de integração.111 131. Para aqueles que chegaram há bastante tempo e já fazem parte do tecido social, é importante aplicar o conceito de cidadania, que «se baseia na igualdade dos direitos e dos deveres, sob cuja sombra todos gozam da justiça. Por isso, é necessário empenhar-se por estabelecer nas nossas sociedades o conceito de cidadania plena e renunciar ao uso discriminatório do termo minorias, que traz consigo as sementes de se sentir isolado e da inferioridade; isto prepara o terreno para as hostilidades e a discórdia e subtrai as conquistas e os direitos religiosos e civis de alguns cidadãos, discriminando-os». 112 132. Além das várias ações indispensáveis, os Estados não podem incrementar, por conta própria, soluções adequadas, «porque as consequências das opções de cada um recaem inevitavelmente sobre toda a comunidade internacional». Assim, «as respostas só poderão ser fruto dum trabalho comum», 113 gerando uma legislação (governance) global para as   
 migrações. Em todo o caso, há necessidade de «estabelecer projetos de médio e longo prazo que ultrapassem a resposta de emergência; deveriam ajudar realmente à integração dos migrantes nos países de acolhimento e, ao mesmo tempo, favorecer o desenvolvimento dos países de origem com políticas solidárias, mas sem condicionar as ajudas a estratégias e práticas ideologicamente alheias ou contrárias às culturas dos povos a que se destinam». 114 OS DONS RECÍPROCOS 111 Cf. FRANCISCO, Mensagem para o 104º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (14 de janeiro de 2018): AAS 109 (2017), 918-923. 112 FRANCISCO – AHMAD AL-TAYYEB, Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 22. 113 FRANCISCO, Discurso ao corpo108 (2016), 124. 114 Ibid.: o. c., 122 diplomático acreditado junto da Santa Sé (11 de janeiro de 2016): AA  
133. A chegada de pessoas diferentes, que provêm dum contexto vital e cultural distinto, transforma-se num dom, porque «as histórias dos migrantes são histórias também de encontro entre pessoas e entre culturas: para as comunidades e as sociedades de chegada são uma oportunidade de enriquecimento e desenvolvimento humano integral para todos». 115 Por isso, «peço especialmente aos jovens que não caiam nas redes de quem os quer contrapor a outros jovens que chegam aos seus países, fazendo-os ver como sujeitos perigosos e como se não tivessem a mesma dignidade inalienável de todo o ser humano».116 134. Entretanto quando se acolhe com todo o coração a pessoa diferente, permite-se-lhe continuar a ser ela própria, ao mesmo tempo que se lhe dá a possibilidade dum novo desenvolvimento. As várias culturas, cuja riqueza se foi criando ao longo dos séculos, devem ser salvaguardadas para que o mundo não fique mais pobre. Isso, porém, sem deixar de as estimular a que permitam surgir de si mesmas algo de novo no encontro com outras realidades. Não se pode ignorar o risco de acabarem vítimas duma esclerose cultural. Para isso, «precisamos de comunicar, descobrir as riquezas de cada um, valorizar aquilo que nos une e olhar as diferenças como possibilidades de crescimento no respeito por todos. Torna-se necessário um diálogo paciente e confiante, para que as pessoas, as famílias e as comunidades possam transmitir os valores da própria cultura e acolher o bem proveniente das experiências alheias». 117 135. Retomo aqui um exemplo que dei há tempos: a cultura dos latinos é «um fermento de valores e possibilidades que pode fazer muito bem aos Estados Unidos (…). Uma intensa imigração acaba sempre por marcar e transformar a cultura dum lugar. (…) Na Argentina, a forte imigração italiana marcou a cultura da sociedade e, no estilo cultural de Buenos Aires, é muito visível a presença de aproximadamente 200.000 judeus. Se forem ajudados a integrar-se, os imigrantes são uma bênção, uma riqueza e um novo dom, que convida a sociedade a crescer». 118 115 FRANCISCO, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25 de março de 2019), 93. 116 Ibid., 94. 117 IDEM, Discurso no Encontro com as autoridades e o corpo diplomático (Sarajevo – BósniaHerzegovina 6 de junho de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 11/VI/2015), 3. 118 FRANCISCO em diálogo com Reyes Alcaide, Latinoamérica. Conversaciones con Hernán Reyes
Alcaide (Buenos Aires 2017), 105
136. Numa perspetiva mais ampla, eu e o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb lembramos que «o relacionamento entre Ocidente e Oriente é uma necessidade mútua indiscutível, que não pode ser comutada nem transcurada, para que ambos se possam enriquecer mutuamente com a civilização do outro através da troca e do diálogo das culturas. O Ocidente poderia encontrar na civilização do Oriente remédios para algumas das suas doenças espirituais e religiosas causadas pelo domínio do materialismo. E o Oriente poderia encontrar na civilização do Ocidente tantos elementos que o podem ajudar a salvar-se da fragilidade, da divisão, do conflito e do declínio científico, técnico e cultural. É importante prestar atenção às diferenças religiosas, culturais e históricas que são uma componente essencial na formação da personalidade, da cultura e da civilização oriental; e é importante consolidar os direitos humanos gerais e comuns, para ajudar a garantir uma vida digna para todos os homens no Oriente e no Ocidente, evitando o uso da política de duas medidas». 119 O intercâmbio fecundo 137. Na realidade, a ajuda mútua entre países acaba por beneficiar a todos. Um país que progride com base no seu substrato cultural original é um tesouro para toda a humanidade. Precisamos de fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém. A pobreza, a degradação, os sofrimentos dum lugar da terra são um silencioso terreno fértil de problemas que, finalmente, afetarão todo o planeta. Se nos preocupa o desaparecimento dalgumas espécies, deveria afligir-nos o pensamento de que em qualquer lugar possam existir pessoas e povos que não desenvolvem o seu potencial e a sua beleza por causa da pobreza ou doutros limites estruturais. É que isto acaba por nos empobrecer a todos. 138. Se isto foi sempre verdade, hoje a certeza é maior do que nunca devido à realidade dum mundo tão interconectado pela globalização. Precisamos que um ordenamento jurídico, político e económico mundial «incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos». 120 Isto redundará em benefício de todo o planeta, porque «a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres» trará «criação de 119 Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 22.
120 BENTO XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 67: AAS 101 (2009), 700.
riqueza para todos». 121 Do ponto de vista do desenvolvimento integral, isto pressupõe que se conceda «também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns» 122 e procure «incentivar o acesso ao mercado internacional dos países marcados pela pobreza e pelo subdesenvolvimento». 123 Gratuitidade que acolhe 139. Todavia não quero limitar esta abordagem a qualquer forma de utilitarismo. Existe a gratuitidade: é a capacidade de fazer algumas coisas, pelo simples facto de serem boas, sem olhar a êxitos nem esperar receber imediatamente algo em troca. Isto permite acolher o estrangeiro, mesmo que não traga de imediato benefícios palpáveis. Mas há países que pretendem receber apenas cientistas ou investidores. 140. Quem não vive a gratuitidade fraterna, transforma a sua existência num comércio cheio de ansiedade: está sempre a medir aquilo que dá e o que recebe em troca. Em contrapartida, Deus dá de graça, chegando ao ponto de ajudar mesmo os que não são fiéis e «fazer com que o Sol se levante sobre os bons e os maus» (Mt 5, 45). Por isso, Jesus recomenda: «Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo» (Mt 6, 3-4). Recebemos a vida de graça; não pagamos por ela. De igual modo, todos podemos dar sem esperar recompensa, fazer o bem sem pretender outro tanto da pessoa que ajudamos. É aquilo que Jesus dizia aos seus discípulos: «Recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8). 141. A verdadeira qualidade dos diferentes países do mundo mede-se por esta capacidade de pensar não só como país, mas também como família humana; e isto comprova-se sobretudo nos períodos críticos. Os nacionalismos fechados manifestam, em última análise, esta incapacidade de gratuitidade, a errada persuasão de que podem desenvolver-se à margem da ruína dos outros e que, fechando-se aos demais, estarão mais protegidos. O migrante é visto como um usurpador, que nada oferece. Assim, chega-se a pensar ingenuamente que os pobres são perigosos ou inúteis; e os poderosos, generosos benfeitores. Só poderá ter futuro uma cultura sociopolítica que inclua o acolhimento gratuito. 121 Ibid., 60: o. c., 695. 122 Ibid., 67: o. c., 700. 123 CONSELHO PONTIFÍCIO «JUSTIÇA E PAZ», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 447. - 53 - LOCAL E UNIVERSAL 142. Ocorre lembrar que, «entre a globalização e a localização, também se gera um   tensão. É preciso prestar atenção à dimensão global para não cair numa mesquinha quotidianidade. Ao mesmo tempo convém não perder de vista o que é local, que nos faz caminhar com os pés por terra. As duas coisas unidas impedem de cair em algum destes dois extremos: o primeiro, que os cidadãos vivam num universalismo abstrato e globalizante (...); o outro extremo é que se transformem num museu folclórico de eremitas localistas, condenados a repetir sempre as mesmas coisas, incapazes de se deixar interpelar pelo que é diverso e de apreciar a beleza que Deus espalha fora das suas fronteiras». 124 É preciso olhar para o global, que nos resgata da mesquinhez caseira. Quando a casa deixa de ser lar para se tornar confinamento, calabouço, resgata-nos o global, porque é como a causa final que nos atrai para a plenitude. Ao mesmo tempo temos de assumir intimamente o local, pois tem algo que o global não possui: ser fermento, enriquecer, colocar em marcha mecanismos de subsidiariedade. Portanto, a fraternidade universal e a amizade social dentro de cada sociedade são dois polos inseparáveis e ambos essenciais. Separá-los leva a uma deformação e a uma polarização nociva.
 O sabor local 143. A solução não é uma abertura que renuncie ao próprio tesouro. Tal como não há diálogo com o outro sem identidade pessoal, assim também não há abertura entre povos senão a partir do amor à terra, ao povo, aos próprios traços culturais. Não me encontro com o outro, se não possuo um substrato onde estou firme e enraizado, pois é a partir dele que posso acolher o dom do outro e oferecer-lhe algo de autêntico. Só posso acolher quem é diferente e perceber a sua contribuição original, se estiver firmemente ancorado ao meu povo com a sua cultura. Cada qual ama e cuida, com particular responsabilidade, da sua terra e preocupa-se com o seu país, assim como deve amar e cuidar da própria casa para que não caia, ciente de que não o virão fazer os vizinhos. O próprio bem do mundo requer que cada um proteja e ame a sua própria terra; caso contrário, as consequências do desastre dum país repercutir-se-ão em todo o planeta. Isto baseia-se no sentido positivo do direito de propriedade: guardo e cultivo algo que possuo, a fim de que possa ser uma contribuição para o bem de todos. 124 FRANCISCO, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 234: AAS 105 (2013), 1115
144. Além disso, é um pressuposto para intercâmbios sadios e enriquecedores. A base adquirida a partir da experiência da vida transcorrida num certo lugar e numa determinada cultura é o que torna uma pessoa capaz de apreender aspetos da realidade que não conseguem entender tão facilmente quantos não possuem essa experiência. O universal não deve ser o domínio homogéneo, uniforme e padronizado duma única forma cultural imperante, que perderá as cores do poliedro e ficará enfadonha. É a tentação manifestada na antiga narração da Torre de Babel: a construção daquela torre que chegasse até ao céu não expressava a unidade entre vários povos capazes de comunicar segundo a própria diversidade; antes pelo contrário, foi uma tentativa, nascida do orgulho e da ambição humana, que visava criar uma unidade diferente da desejada por Deus no seu plano providencial para as nações (cf. Gn 11, 1-11). 145. Existe uma falsa abertura ao universal, que deriva da superficialidade vazia de quem não é capaz de compreender até ao fundo a sua pátria, ou de quem lida com um ressentimento não resolvido face ao seu povo. Em todo o caso, «é preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós. Mas há que o fazer sem se evadir nem se desenraizar. É necessário mergulhar as raízes na terra fértil e na história do próprio lugar, que é um dom de Deus. Trabalha-se no pequeno, no que está próximo, mas com uma perspetiva mais ampla. (...) Não é a esfera global que aniquila, nem a parte isolada que esteriliza». 125 É o poliedro, onde ao mesmo tempo que cada um é respeitado no seu valor, «o todo é mais que a parte, sendo também mais do que a simples soma delas». 126 O horizonte universal 146. Há narcisismos bairristas que não expressam um amor sadio pelo próprio povo e a sua cultura. Escondem um espírito fechado que, devido a uma certa insegurança e medo do outro, prefere criar muralhas defensivas para sua salvaguarda. Mas não é possível ser saudavelmente local sem uma sincera e cordial abertura ao universal, sem se deixar interpelar pelo que acontece noutras partes, sem se deixar enriquecer por outras culturas, nem se solidarizar com os dramas dos outros povos. Este «localismo» encerra-se obsessivamente numas poucas ideias, costumes e seguranças, revelando-se incapaz de 125 Ibid., 235: o. c., 1115. 126 Ibidem: o. c., 1115. - 55 - admirar as múltiplas possibilidades e belezas que oferece o mundo inteiro, e carecendo duma solidariedade autêntica e generosa. Deste modo, a vida local deixa de ser verdadeiramente recetiva, já não se deixa completar pelo outro; consequentemente, fica limitada nas suas possibilidades de desenvolvimento, torna-se estática e adoece. Na realidade, toda a cultura saudável é, por natureza, aberta e acolhedora, pelo que «uma cultura sem valores universais não é uma verdadeira cultura». 127 147. Temos de reconhecer que quanto menor for a amplitude da mente e do coração duma pessoa, tanto menos poderá interpretar a realidade circundante em que está imersa. Sem o relacionamento e o confronto com quem é diferente, torna-se difícil ter um conhecimento claro e completo de si mesmo e da sua terra, uma vez que as outras culturas   não constituem inimigos de quem seja preciso defender-se, mas reflexos distintos da riqueza inexaurível da vida humana. Ao olhar para si mesmo do ponto de vista do outro, de quem é diferente, cada um pode reconhecer melhor as peculiaridades da sua própria pessoa e cultura: as suas riquezas, possibilidades e limites. A experiência que se realiza num lugar deve desenvolver-se ora «em contraste» ora «em sintonia» com as experiências doutras pessoas que vivem em contextos culturais diversos.128 148. Na realidade, uma sã abertura nunca ameaça a identidade, porque, ao enriquecer-se com elementos doutros lugares, uma cultura viva não faz uma cópia nem mera repetição, mas integra as novidades segundo modalidades próprias. Isto provoca o nascimento duma nova síntese que, em última análise, beneficia a todos, já que a cultura donde provêm estas contribuições acaba mais devolvida. Por isso, exortei os povos nativos a cuidarem das suas próprias raízes e culturas ancestrais, mas esclarecendo que não era «minha intenção propor um indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem», pois «a própria identidade cultural aprofunda-se e enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece». 129 O mundo cresce e enche-se de nova beleza, graças a sucessivas sínteses que se produzem entre culturas abertas, fora de qualquer imposição cultural. 127 SÃO JOÃO PAULO II, Discurso aos representantes do mundo da cultura (Buenos Aires – Argentina 12 de abril de 1987), 4: L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 10/V/1987), 8. 128 Cf. IDEM, Discurso aos Cardeais e à Cúria (21 de dezembro de 1984), 4: AAS 76 (1984), 506. 129 Exort. ap. pós-sinodal Querida Amazonia (2 de fevereiro de 2020), 37. - 56 - 149. Para estimular uma sadia relação entre o amor à pátria e uma cordial inserção na humanidade inteira, convém lembrar que a sociedade mundial não é o resultado da soma dos vários países, mas sim a própria comunhão que existe entre eles, a mútua inclusão que precede o aparecimento de todo o grupo particular. É neste entrelaçamento da comunhão universal que se integra cada grupo humano, e aí encontra a sua beleza. Assim, cada pessoa nascida num determinado contexto sabe que pertence a uma família maior, sem a qual não é possível ter uma compreensão plena de si mesma. 150. Esta abordagem exige, em última análise, que se aceite com alegria que nenhum povo, nenhuma cultura, nenhum indivíduo pode obter tudo de si mesmo. Os outros são, constitutivamente, necessários para a construção duma vida plena. A consciência do limite ou da exiguidade, longe de ser uma ameaça, torna-se a chave segundo a qual sonhar e elaborar um projeto comum. Com efeito, «o homem é o ser fronteiriço que não tem qualquer fronteira». 130 A partir da própria região 151. Graças ao intercâmbio regional, a partir do qual os países mais frágeis se abrem ao mundo inteiro, é possível fazer com que as particularidades não se diluam na universalidade. Uma adequada e autêntica abertura ao mundo pressupõe a capacidade de se abrir ao vizinho, numa família de nações. A integração cultural, económica e política com os povos vizinhos deve ser acompanhada por um processo educativo que promova o valor do amor ao vizinho, primeiro exercício indispensável para se conseguir uma sadia integração universal. 152. Nalguns bairros populares, vive-se ainda aquele espírito de «vizinhança» segundo o qual cada um sente espontaneamente o dever de acompanhar e ajudar o vizinho. Nos lugares que conservam tais valores comunitários, as relações de proximidade são   marcadas pela gratuitidade, solidariedade e reciprocidade, partindo do sentido de um «nós» do bairro. 131 Oxalá fosse possível viver isto também entre países vizinhos, com a capacidade de construir uma vizinhança cordial entre os seus povos. Mas as visões 130 GEORG SIMMEL, Brücke und Tür. Essays des Philosophen zur Geschichte, Religion, Kunst und Gesellschaft (Estugarda 1957), 6. 131 Cf. JAIME HOYOS-VÁSQUEZ, «Lógica de las relaciones sociales. Reflexión onto-lógica», in Revista Universitas Philosophica 15-16 (dezembro 1990 a junho 1991), Bogotá, 95-106
individualistas traduzem-se nas relações entre países. O risco de viver acautelando-nos uns dos outros, vendo os outros como concorrentes ou inimigos perigosos, é transferido para o relacionamento com os povos da região. Talvez tenhamos sido educados neste medo e nesta desconfiança. 153. Existem países poderosos e empresas grandes que lucram com este isolamento e preferem negociar com cada país separadamente. Entretanto, para os países pequenos ou pobres, abre-se a possibilidade de alcançar acordos regionais com os seus vizinhos, que lhes permitam negociar em bloco evitando tornar-se segmentos marginais e dependentes das grandes potências. Hoje nenhum Estado nacional isolado é capaz de garantir o bem
comum da própria população

 

 

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